O título deste artigo refere-se a um provérbio africano (“It takes a village to raise a child” – É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança), que fala da importância da colaboração e do esforço necessários para realizar uma tarefa difícil.
Nesta série, fizemos uma pesquisa em torno do grande canteiro de obras denominado “Liderança do
sistema de empresas familiares”. Quando paramos para examinar a liderança capaz em detalhe, vimos
que os líderes capazes, em primeiro lugar, formam uma equipe de liderança, que ajude a atender as necessidades básicas do sistema.
Líderes capazes voltam-se então ao trabalho diário de cultivar a integridade e orientar o crescimento de suas empresas, seus proprietários e seus familiares.
LÍDERES DE NEGÓCIOS CAPAZES
Apesar da imagem passada por Hollywood, com CEOs sonhando grandes sonhos e tomando grandes
decisões por trás de uma grande mesa, protegidos por uma secretária severa, a vida dos CEOs é bem diferente. Acontece que os CEOs (especialmente em empresas privadas de pequeno e médio porte) fazem um grande volume de gestão – planejamento, orçamento, formação de equipes, organização, controle e solução de problemas. Em geral, os CEOs devem realizar parte dessas atividades por si mesmos, mas costumam usar muito tempo gerindo coisas e não têm tempo suficiente para exercer liderança e governança sobre a empresa.
Acho que os executivos de sucesso, para expandir e aprimorar suas empresas, devem delegar mais atividadesde gestão e aumentar seu foco na liderança e governança dessas empresas. Não é necessário que líderes capacitados de qualquer grupo administrem muita coisa diretamente, contanto que se sintam responsáveis pela boa gestão da empresa. Eles precisam saber que tais atividades estão sendo bem realizadas. Eles devem ter tanto vontade quanto habilidade para responsabilizar outros por um bom desempenho nessas atividades.
Essa mudança de afastamento da gestão direta é um desafio para a maioria dos CEOs. Pode ter algo a ver com a boa sensação de ser necessário em meio às atividades e saber que são ótimos em planejamento, análise, solução de problemas e tomada de decisões operacionais. De fato, são pessoas que, afinal,prosperam com atividade e progresso. Gestores contam com um ciclo de feedback diário que reforça tal sensação. Líderes têm menos feedback imediato sobre suas ações e precisam confiar em si mesmos e em consultores para saber que estão fazendo a coisa certa.
Em termos de liderança, a primeira tarefa do líder é criar uma visão convincente para o futuro. Ter uma visão convincente combina três elementos, que os líderes desenvolvem por meio de insight e prática. Primeiro, previsão sobre o próprio setor. Segundo, previsão sobre o mundo em geral. Terceiro, ser capaz de visualizar o futuro potencial da empresa e da família.
Lideres capazes cultivam a integridade e orientam o crescimento de suas
empresas, seus proprietários e seus familiares.
Sempre digo aos CEOs que devem trabalhar para suas empresas e não em suas empresas. Com a distância adequada, um líder empresarial pode ver o que está ocorrendo no setor e na economia e, assim, visualizar um futuro viável para a empresa. O líder deve conceber então um processo de mudança, para levar a organização ao futuro. Durante essa mudança, o líder deve motivar e inspirar pessoas a melhorar o desempenho. Ao mesmo tempo, o líder deve formar coalizões de apoiadores, para levar a empresa à direção certa. É preciso fazer tudo isso enquanto se apoia uma cultura organizacional que seja compatível com os valores e comportamentos essenciais da família, que ajudam a empresa a permanecer competitiva.
O líder deve ainda fortalecer e apoiar a boa governança – por meio de regras, políticas, acordos e foros de governança necessários (diretoria, assembleias de acionistas, conselho de família, conselho de proprietários). O líder deve participar de tais foros, de modo construtivo, e seguir suas regras, acordos e políticas. Bons líderes entendem o que é uma boa governança.
Seja liderando ou gerindo, um líder empresarial deve proteger o que é melhor para a empresa. Deve estar disposto a ter conversas difíceis sobre desempenho com os membros do grupo. Não é fácil ter tais conversas sobre desempenho com membros da família, mas essa capacidade geralmente separa os bons líderes de líderes fracos em sistemas de empresas familiares. Um bom líder irá garantir, no mínimo, que alguém forneça um feedback de desempenho claro e irá então apoiar a pessoa que fornecer tal feedback.
LÍDERANÇA CAPAZ DO GRUPO DE PROPRIETÁRIOS
A importância de líderes capacitados para o grupo de proprietários familiares não é normalmente apreciada – até que o grupo de proprietários comece a ter problemas.
Qualquer empresa depende da união e do apoio de seus proprietários. Bons proprietários permanecem unidos quanto à missão da empresa e em questões importantes, tais como reinvestir, diversificar e assumir riscos. Em condições ideais, eles recebem dividendos sustentáveis da empresa e não pedem empregos ou benefícios que não merecem ou que a empresa não pode pagar. Quando a unidade do grupo de proprietários desmorona ou estes recebem muitos benefícios inadequados, as empresas começam a enfraquecer. Manter o grupo de proprietários unido e agir com responsabilidade requer boa governança (acordos sensatos com acionistas, regras claras de votação, um foro para que os proprietários sejam informados e discutam problemas) e, novamente, uma forte liderança – para garantir que a boa governança esteja em vigor e que os proprietários estejam fazendo seu trabalho.
LÍDERANÇA CAPAZ DA FAMÍLIA
Como qualquer pai pode lhe dizer, liderar uma família (especialmente uma família de membros adultos) significa enfrentar muitos desafios. Ainda assim, como a ascensão e queda das dinastias de empresas familiares apontam tão claramente, as famílias requerem líderes que ajudem a proporcionar e apoiar os níveis de gestão, liderança e governança que a família necessita.
As famílias formam a base fundamental de estabilidade e apoio de uma empresa familiar. Quando as famílias são unidas e contribuem para a empresa – atuando como funcionários e gestores produtivos, como bons proprietários e membros da diretoria e como bons embaixadores em suas comunidades – elas constroem a estabilidade e resiliência do grupo de proprietários e fortalecem sua empresa familiar.
Incentivar o comportamento de apoio nas famílias requer boa governança (políticas e regras para o comportamento familiar, um senso de missão familiar, um foro para ser informado e discutir questões importantes que afetam a família) e um liderança capaz.
Mas liderar a família é um grande desafio, que aumenta cada vez mais – em parte porque, desde a década de 70, seja em uma família nuclear ou ampliada, a verdadeira autoridade dos líderes formais da família tem diminuído constantemente. Onde antes pais e talvez até avós podiam decidir ou influenciar fortemente a escolha de educação, ocupação, local de moradia e cônjuge de cada membro da família, essas decisões ficam agora amplamente a cargo de cada membro da família. Um líder de quarta geração de uma importante empresa familiar me disse uma vez: “Costumava pedir permissão ao meu pai para fazer uma pergunta. Agora peço permissão aos meus filhos para dar conselhos a eles”.
Mas líderes familiares precisam ainda representar e impor valores familiares. Eles ainda devem encorajar, motivar e inspirar a família (e certos membros em particular) a mudar e melhorar. Porém, os vínculos de parentesco que lhes permitiam direcionar e moldar o comportamento dos membros da família e manter a disciplina e a unidade familiar são bem mais fracos atualmente. Os líderes familiares devem agora liderar principalmente através da inspiração e persuasão, usando metas, regras e políticas com amplo apoio para orientar o comportamento da família, durante a maior parte do tempo, além de empregar recompensas e sanções quando necessário.
Deve-se ter uto isso em mente ao equipar uma ‘caixa de ferramentas’ para liderar a família. Com muita ênfase dos líderes sobre o que esperam dos herdeiros e insuficiente sobre as necessidades dos membros, o sistema começa a parecer uma prisão ou uma guarnição. Um comportamento rebelião é quase previsível em tais casos. Por outro lado, com muita atitude de laissez-faire por parte dos líderes, o sistema começa a parecer um hotel cinco estrelas com catering para hóspedes e não um empreendimento com colaboradores vitais. Negligência e desintegração são quase previsíveis em tais casos.
Há uma importante questão a enfrentar lá pela segunda ou terceira geração: quem deve liderar a família empresarial ampliada? Famílias estendidas sempre combatem para liderar a “família maior”. Elas talvez entendam que as famílias requerem liderança, mas, devido às sensibilidades de status entre irmãos e irmãs e ao desejo de manter paz entre eles, costumam não identificar ou apoiar claramente a liderança. O que é lamentável, pois uma liderança clara (mesmo liderança coletiva) pode ajudar a família a lidar com interesses coletivos, estabelecer metas coletivas e impor regras e valores coletivos.
Pais são geralmente vistos como líderes de suas famílias nucleares. Avós – desde que sejam vitais e tenham influência significativa sobre seus filhos – costumam ser os líderes formais da família ampliada. Em algumas culturas, após o falecimento ou a aposentaria dos avós como líderes, o filho mais velho do avô é aceito como líder formal da família e da empresa.
Mas mesmo quando há um líder formal aceito de uma família ampliada, com irmãos ou primos, e mesmo quando essa liderança é apoiada com autoridade real e controle sobre recursos, liderar uma família com irmãos ou primos é uma questão delicada e requer, em geral, uma coligação de apoiadores de líderes nos vários ramos da família. A liderança familiar ampliada é realmente um esporte de equipe.
As famílias não precisam necessariamente ter um só líder. Algumas se dão bem com um pequeno grupo de líderes, com boa colaboração entre si. É preciso lembrar, porém, que as famílias requerem líderes com capacidade de motivar e o poder de incutir uma disciplina familiar. Com muita frequência, as famílias não valorizam o papel de liderança, tornando o papel de liderado essencialmente voluntário. Como resultado, os membros e ramos da família se afastam, perdem sua unidade e o senso de missão e, em geral, perdem suas empresas. Mais tarde, vão se arrepender do erro. Sempre brindo à saúde de famílias empreendedoras que buscam e encontram uma boa liderança familiar de geração em geração – equilibrando-a, obviamente, com liderados igualmente bons. É um equilíbrio realmente complexo.
COMO DESENVOLVER NOVOS LÍDERES FORMAIS NA FAMÍLIA?
É uma verdade inegável para famílias empresárias: A maneira de fazê-lo é mais importante que qualquer outro fator. A não ser que o líder formal de qualquer domínio seja escolhido por algum processo considerado legítimo e represente a ordem natural das coisas, segundo a visão da família, os membros da família tendem a resistir a essa liderança. Assim, por exemplo, crianças aceitam a liderança de seus pais ou avós porque são líderes de família “naturais”, que costumam ter poder moral e econômico suficiente para impor a disciplina.
Mas os adultos resistem, normalmente, à ideia de que um de seus irmãos, irmãs ou primos torne-se um líder formal da família, do grupo de proprietários ou até mesmo da empresa, a menos que o processo de seleção seja visto como legítimo e o novo líder formal tenha lugar na ordem natural da família. Para que irmãs ou irmãos menores sejam aceitos como CEOs da empresa familiar, o processo de seleção deve ser visto como justo e a escolha deve ser muito convincente. Assim sendo, as famílias empresárias devem
dedicar muito esforço no desenvolvimento de processos justos de seleção de seus líderes – até mais do que grupos não familiares.
Em lugar de um líder familiar claro, algumas famílias ampliadas criam uma governança mais formal para a família. Isto ajuda, ao menos, a construir unidade e disciplina para a família. Um conselho familiar pode atuar como grupo de liderança coletiva, evitando a questão delicada de escolher “o líder” da família. Mas mesmo em tais casos, o conselho familiar requer um líder formal capacitado, que tenha a responsabilidade de viabilizar o trabalho desse conselho e incentivar a família a apoiar as iniciativas do conselho, além de estar disposto a disciplinar o mau desempenho quando necessário.
Sem um líder formal responsável e capaz, os conselhos familiares não se saem tão bem. De fato, algumas famílias ficam muito ansiosas em estabelecer papéis de liderança familiar, a ponto de lutar para obter um título para o líder do conselho de família, que no fim parece muito colegial e com pouco poder. É como que elas escolham títulos de baixo status, como o de coordenador, ou instalem co-líderes para reduzir a tensão. Se uma família precisa dar esse passo para aceitar uma governança familiar formal, isso
é até aceitável. Mas assim que forem politicamente capazes, as famílias devem dar, ao líder do conselho de família, cargo, título e autoridade que ele requer para liderar o conselho.
Qualquer que seja o título, o líder do conselho familiar nem sempre é o líder natural da família – ou seja, aquela pessoa a quem os membros da família recorrem para pedir conselhos e abençoar suas decisões. É comum que, atualmente, o líder do conselho familiar seja um membro da geração seguinte – que gerencia o conselho, mas não tem credibilidade para liderar realmente a família. Em tais casos, o líder do conselho familiar deve se unir ao líder natural da família, normalmente uma pessoa mais idosa, para que juntos possam proporcionar a liderança que a família precisa. Definitivamente, é necessário desenvolver uma liderança capaz para o conselho familiar, mas sem assumir que isto, por si só, vá satisfazer as necessidades de liderança da família.
REFLEXÕES DE ENCERRAMENTO
Há muitas boas estruturas de liderança nos sistemas de empresas familiares, mas apenas três princípios importantes: uma liderança capaz é fundamental para que tudo funcione bem; equipes de liderança são necessárias, em geral, e devem estar alinhadas; e deve-se identificar, desenvolver e capacitar novos líderes. Boa liderança não é o único ingrediente para o sucesso, mas também não é possível prescindir dela. Em última análise, tudo depende dela.
Professor John A. Davis
Fundador e Presidente, Cambridge Institute for Family Enterprise
Palestrante Sênior, Family Enterprise Programs, MIT Sloan School of Management
John A. Davis é globalmente reconhecido como pioneiro e autoridade em empresas familiares, em riqueza familiar e em family office. Ele é pesquisador, professor, autor e arquiteto das estruturas conceituais de maior impacto nesses campos, assim como conselheiro de famílias importantes ao redor do mundo. Ele também lidera os programas de empresas familiares da MIT Sloan School of Management. Para se informar sobre seus textos e palestras, acesse o site johndavis.com; ou siga-o pelo twitter, em @ProfJohnDavis.
Sobre o Cambridge Institute for Family Enterprise
O Cambridge Institute for Family Enterprise é um instituto global de pesquisa e educação, dedicado a questões reais enfrentadas por empresas familiares. É um local em que comtínuos membros de empresas familiares vêm para aprender, trocar ideias, se desenvolver e posicionar suas empresas para serem não apenas bem-sucedidas, mas também sustentáveis ao longo de várias gerações. Sua organização irmã, Cambridge Advisors to Family Enterprise, dá conselhos de família entre gerações em todo o mundo em estratégias para apoiar o sucesso entre as gerações.
John A. Davis is a globally recognized pioneer and authority on family enterprise, family wealth, and the family office. He is a researcher, educator, author, architect of the field’s most impactful conceptual frameworks, and advisor to leading families around the world. He leads the family enterprise programs at MIT Sloan. To follow his writing and speaking, visit johndavis.com and twitter @ProfJohnDavis.