É possível que em alguma ocasião, passeando por um parque ou jardim botânico, você tenha passado por árvores crescendo entrelaçadas. Conhecido como ‘pleaching‘ em inglês, é o processo de plantar duas ou mais árvores jovens e flexíveis próximas entre si e entrelaçar seus troncos à medida que crescem. Isto requer tempo e atenção, para orientar os troncos e ajudá-los a se entrelaçarem, mas gera uma planta combinada muito forte. Famílias fortes são como essas árvores, quando o processo é bem feito. Por outro lado, como em famílias fraturadas, se os troncos unidos não receberem cuidados, irão divergir naturalmente e poderão se consolidar na direção errada – não só arruinando o efeito visual, mas enfraquecendo as árvores combinadas.
Obter uma família empresária bem entrelaçada é um desafio por várias razões. Nem é preciso lembrar que existem muitas oportunidades para que os membros das famílias empresárias tenham conflitos, considerando todas as formas pelas quais suas vidas se cruzam e seus interesses ou ideias podem estar fora de sintonia.
Um dos objetivos de uma empresa familiar é aprender a gerenciar conflitos dentro da família, para que surjam boas decisões familiares, os indivíduos cresçam de maneira saudável e os relacionamentos alcancem seu potencial.
Por mais que prefiramos paz e harmonia em nossa família, é costume tolerar pequenos conflitos – e podemos até ver o valor desses conflitos, que geram melhores juízos e soluções sobre um assunto. No entanto, o que tememos, e com o que geralmente fazemos um mau trabalho de gestão, são conflitos que dividem as pessoas, prejudicam seus relacionamentos e tornam ainda mais difíceis acordos e soluções aos problemas.
Neste artigo, vamos ajudá-lo a entender melhor a origem e a natureza dos diferentes tipos de conflito nas famílias empresárias. Pode ser um ponto de partida, como apoio a gerir melhor os conflitos familiares em sua família empresária, para que você possa ajudar tanto os relacionamentos familiares como a empresa familiar a crescer fortes e saudáveis, como árvores bem entrelaçadas.
QUATRO TIPOS DE CONFLITO EM FAMÍLIAS EMPRESÁRIAS
Os conflitos interpessoais podem ser classificados em quatro tipos. Primeiro, no nível mais baixo de atrito, existem as pequenas divergências. Elas surgem ao se ver as coisas de maneira diferente e geralmente são resolvidas com respeito e compromisso. Algumas empresas até planejam esse tipo de debate, para gerar novas ideias – uma tática que Linda Hill, professora da Harvard Business School e especialista em inovação, chama de “abrasão criativa”[1]. Quando conflitos dessa natureza são bem gerenciados, opiniões divergentes levam a soluções melhores que aquelas possíveis de um ponto de vista individual. Mas é preciso se proteger contra a abrasão criativa, quando ela se transforma em ataques pessoais e em oposição arraigada – ou seja, quando as partes estão prontas a encontrar temas com os quais não concordar.
Ao intensificar, prolongar e (principalmente) personalizar o nível de discórdia, entra-se no âmbito dos litígios graves. Isto pode resultar de grandes diferenças ideológicas; ou pode começar como pequenas divergências que são intensificadas, especialmente diante de objetivos divergentes. Sentimentos de desrespeito, combinados a culpar os outros e ficar na defensiva, entram muitas vezes em cena. É ainda possível resolver esses conflitos, mas devem ser abordados com rapidez e competência. Deve-se principalmente impedir que as partes conflitantes recrutem aliados para suas causas, ou corre-se o risco de passar ao estágio seguinte.
Em seguida, há os conflitos desestabilizadores, onde as facções se desenvolvem, os interesses e a retórica aumentam e os participantes pensam ser cada vez mais difícil se afastar de suas posições e encontrar uma solução favorável. Tais conflitos são dominados por posições e emoções dogmáticas; a ansiedade é elevada, a raiva é expressa de forma agressiva e as partes costumam sentir sua identidade atacada. Sem intervenção externa, é provável que esses conflitos se transformem no tipo mais perigoso de conflito: guerra aberta.
A guerra aberta pode ameaçar a existência de uma organização ou um relacionamento. Nesse estágio, as posições são tão arraigadas que, para algumas pessoas, torna-se mais prioritário estar certo ou até prejudicar a outra parte, ao invés de encontrar uma solução para o conflito. A intensa hostilidade pode levar os envolvidos a se atacar pessoalmente e a vingar-se às custas da família ou empresa. Os relacionamentos que passam por esse estágio de conflito costumam ser comprometidos de modo permanente – e famílias e empresas podem ser alteradas, divididas ou mesmo destruídas inexoravelmente. A batalha de décadas entre os primos Demoulas, relativa à sua rede de supermercados de US$ 4 bilhões, a Market Basket, culminou em 2014 com o processo mais caro da história de Massachusetts. Os primos se separaram, com aquisições e reestruturação do grupo acionário, permitindo que um dos ramos recuperasse o que restava da empresa. Frequentemente, a única solução para guerra aberta é a separação de ativos financeiros; mas é raro que os relacionamentos familiares se recuperem.
[1] Linda A. Hill, Greg Brandeau, Emily Truelove, Kent Lineback, Collective Genius: The Art and Practice of Leading Innovation (Boston: Harvard Business Review Press, 2014).
Em uma família empresária, o conflito pode ocorrer devido a diferenças legítimas e importantes e também a ofensas reais, mas pode também ocorrer ou ser acelerado por: insegurança emocional; reação excessiva a negligências percebidas; desinformação e fofocas; e manipulação por aqueles que esperam ganhar com a discórdia. Em uma família empresária, não é preciso que os problemas sejam grandes para inflamar a família. Às vezes, problemas aparentemente pequenos (para um observador externo) podem ferir sensibilidades, criar desconfiança e lançar a família na rota de conflitos intensificados.
DINÂMICA DE FAMÍLIA E EMPRESA FAMILIAR
As famílias empresárias têm certas características que as tornam possíveis campos de criação de sentimentos intensos e conflitos de relacionamento.
Relacionamentos complexos e próximos
Primeiramente, – como em todas as famílias – famílias empresárias costumam ter relacionamentos complicados entre pais e filhos, entre irmãos e primos e até mesmo entre parentes mais distantes. Eles possuem fortes apegos, além de altos níveis de dependência e reações emocionais. Famílias são sistemas complexos: emocionais por natureza, com sentimentos passionais, longas histórias e memórias indeléveis. Os papéis estabelecidos na primeira infância são raramente atualizados, mesmo quando as pessoas amadurecem e se veem de modo diferente; os membros da família podem estar muito próximos para se verem tão claramente quanto os observadores externos.
A proximidade emocional entre os membros da família pode ser igualmente uma fonte de grande apoio e de grande tensão. Os membros de uma família podem ser protetores, leais e abnegados. A necessidade inerente e elevada em tais sistemas por atenção e aprovação pode levar à competição entre seus membros. Expectativas, suposições e favoritismo – reais ou imaginários – têm grande influência em uma família, na qual as pessoas são sensíveis à percepção de tratamento “justo”.
Como a reputação da família é determinada pelas ações de seus membros, as pessoas podem sentir-se orientadas, julgadas ou pressionadas a atender as expectativas da família, em detrimento de suas próprias necessidades individuais. Considerando-se as muitas tensões intrínsecas nas famílias, não é surpresa quando famílias que trabalham juntas para enfrentar essas complexidades, de forma construtiva, permanecem unidas por mais tempo.
Padrões de comunicação arraigados
O segundo ponto refere-se ao estilo de comunicação que é próprio de uma unidade familiar. As pessoas tendem a ser menos cuidadosas ao escolher palavras para lidar com seus parentes. Esse tipo de expressão sincera, que é geralmente benéfica para fazer as coisas andarem, pode se transformar facilmente em insensibilidade e falta de simpatia. Mesmo certas palavras e expressões, ou até a linguagem corporal, podem estar repletas de significado entre pessoas que se conhecem intimamente e seu uso inconsciente pode levar a reações exageradas.
Os membros de uma família têm ainda dificuldade em ouvir-se mutuamente sem julgar, o que pode levar a cautelas e apreensões sobre a sinceridade mútua. Isto poderá minar ainda mais a compreensão mútua, exatamente quando é mais necessária. Acrescente-se então a infeliz e universal verdade de que os membros de uma família costumam não ser hábeis para expressar apreço uns pelos outros. Esses padrões de comunicação tornam-se arraigados nas famílias, ao longo de anos de uso repetido.
Apego ao legado
Em terceiro lugar, em uma família empresária costuma haver um apego elevado ao legado dessa família. A maioria dos proprietários de uma família considera-se um grupo permanente de propriedade, efetivamente fechado; afastar-se da família raramente é considerada uma opção. Membros de famílias empresárias podem ainda depender da empresa ou da família para obter suporte financeiro, status social ou quaisquer outros motivos. Eles podem sentir-se também afetivamente ligados à empresa que seus ancestrais fundaram e transmitiram – e que se torna parte importante da identidade pessoal dos membros da família.
Considerando o alto nível de interdependência em tais famílias, parece lógico se comprometer com as diversas questões e trabalhar para atingir objetivos comuns. Sob essas condições, porém, é fácil que os membros da família se sintam competitivos, autoprotetores, controladores e vulneráveis. Os membros de famílias empresárias sentem, com frequência, que os riscos em seus relacionamentos são elevados, mas também que seu status no sistema deve ser protegido.
Várias funções sobrepostas
Por fim, membros de famílias empresárias têm várias funções – como membros da família, proprietários da empresa, funcionários da empresa familiar, membros do conselho – que definem seu lugar no sistema da empresa familiar e, frequentemente, seu poder e status em tal sistema. Quando essas funções se sobrepõem, um membro da família pode perceber a confusão de papéis. Um pai pode interagir com um membro da geração seguinte, não apenas como pai, mas também como chefe e parceiro de negócios – o que pode dificultar o tratamento de parentes em qualquer circunstância. Com papéis sobrepostos, interesses concorrentes também surgem mais naturalmente, aumentando as chances de mal-entendidos ou conflitos.
As esferas sobrepostas de família, empresa e propriedade são importantes, pois o conflito de uma área pode infiltrar-se em outras com facilidade e rapidez. Um conflito familiar pode impedir relações e decisões de negócios; e uma diferença no trabalho pode dificultar a interação familiar. Famílias empresárias devem gerir seus problemas nas três esferas e devem ser disciplinadas, para não permitir que conflitos de uma área infectem outras áreas da vida familiar.
CONFLITO: UM ESTUDO DE CASO
Deixado por si só, o conflito poderá se intensificar por um caminho previsível.
Vamos usar o exemplo de dois irmãos, Jane e Tim, que eram parceiros 50/50 em sua empresa de varejo. Começaram com uma pequena divergência sobre a melhor maneira de permanecer competitivos no mercado. Caso tivessem optado por um diálogo aberto nesse momento, com contribuições objetivas do conselho, teriam provavelmente encontrado uma solução que fosse aceitável para ambos. Infelizmente, quando discordaram, Tim achou que as objeções de Jane eram um sinal de desrespeito, ou seja, que ela o via como um gerente ineficaz.
Longe de ser resolvida, a questão intensificou-se, passando a um litígio grave. Ao invés de tratar de questões comerciais tangíveis, com um objetivo comum de encontrar a solução, o litígio envolveu cada vez mais sentimentos e acusações pessoais. Jane e Tim demonstraram seu poder excluindo-se de conversas importantes e surpreendendo-se mutuamente com as decisões. Começaram então a se ofender em ocasiões familiares. Isto perdurou por vários anos, durante os quais os dois ramos da família se separaram. A gerência perdeu tempo navegando por esse conflito, com a consequente redução de produtividade e moral.
A essa altura, Jane procurou ajuda externa para tentar salvar o relacionamento e a empresa, que estavam sofrendo com a situação. Mas tal situação havia se tornado um conflito desestabilizador. Tim enxergou a tentativa de solução de Jane como um sinal de fraqueza e decidiu pressionar pela “vitória”. Tomou várias medidas para obter maior controle da empresa, contratando seus genros e dando-lhes responsabilidades mais amplas, sem que Jane soubesse. Jane então retaliou, incentivando alguns gerentes seniores a dificultar o sucesso dos genros de Tim na empresa. Quando resolviam conversar, estavam sempre esquentados. Os cônjuges e filhos dos irmãos não se socializaram.
Pela primeira vez, os dois irmãos começaram a considerar opções que removeriam completamente o outro ramo da empresa. Mas quando Jane apresentou opções de como efetuar a separação com sucesso (operações de divisão, aquisições, etc.), Tim se recusou a concordar com qualquer ideia. Ele finalmente admitiu que estava em um estágio de guerra aberta, onde seu principal objetivo era ferir Jane e sua família de qualquer forma possível.
E, de certa forma, ele o fez. Enquanto essa batalha estava em andamento na família, os principais talentos já haviam deixado a empresa; os concorrentes tiraram vantagem de sua lenta tomada de decisões e fizeram sérias incursões. Os irmãos culparam-se mutuamente pelo declínio da participação da empresa no mercado. Em alguns anos, a empresa faliu e a família foi obrigada a vendê-la por um preço ridiculamente baixo. Como árvores entrelaçadas sem cuidado, os ramos divergentes haviam enfraquecido todo o sistema.
É óbvio que nenhuma família deseja ver esse tipo de intensificação prejudicial de conflitos. E realmente não é necessário que isso ocorra. Existem abordagens construtivas para questões de desacordo e técnicas de negociação que podem ajudar todas as partes a se sentir entendidas e participantes do processo, com resultados positivos para a unidade da família e o sucesso da empresa.
John A. Davis is a globally recognized pioneer and authority on family enterprise, family wealth, and the family office. He is a researcher, educator, author, architect of the field’s most impactful conceptual frameworks, and advisor to leading families around the world. He leads the family enterprise programs at MIT Sloan. To follow his writing and speaking, visit johndavis.com and twitter @ProfJohnDavis.
Courtney Collette is a Partner and Head of Education & Research at Cambridge Family Enterprise Group (CFEG). Since 2011, she has led its education programming, research studies, and publications. She designs curricula for seminars, workshops, and online courses for family enterprise audiences worldwide. She has authored several publications on family enterprise, including articles, Harvard case studies, and the book, Next Generation Success. Ms. Collette spent over a decade as a trusted advisor to business families on governance, succession, next generation readiness, and family unity.