Profissionalizando a Empresa Familiar: Não é o que se pensa

Professor John A. Davis
Founder and Chairman, Cambridge Family Enterprise Group; Senior Lecturer and Faculty Director, Family Enterprise Programs, MIT Sloan School of Management
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Em algum momento da vida de uma empresa familiar, os proprietários da família ou os líderes da empresa podem chegar à decisão de que devem profissionalizar sua empresa. O termo “profissionalização” costuma ser encarado como “mudança da administração familiar de uma empresa para uma administração externa (leia-se profissional)”. Certas vezes, a profissionalização ocorre efetivamente ao se escolher um gestor externo à família para liderar os negócios. Durante essas transições, os membros da família podem permanecer em outros cargos de gestão ou, às vezes, todos os funcionários que são membros da família deixam a empresa. Mas mudar para uma gestão externa à família é apenas um dos possíveis elementos para se profissionalizar uma empresa familiar. Certamente, não é um elemento indispensável. Se sua empresa familiar está pensando em se profissionalizar, é vital que os líderes da família e da empresa concordem sobre o que envolve esse processo.

De acordo com meus estudantes de MBA e administração, “profissional” é uma pessoa com altos padrões internos de desempenho e ética, que eles se esforçam para obter. Dizem que os profissionais agem no melhor interesse de suas empresas e de outras partes interessadas, tais como clientes e proprietários, e não são indevidamente influenciados por suas próprias necessidades ou metas pessoais.

Uma empresa é considerada profissional quando possui esses mesmos níveis elevados de desempenho e ética. As organizações alcançam tais padrões construindo culturas que enfatizam o desempenho, ao mesmo tempo em que seguem os valores essenciais da empresa, tratam pessoas como adultos, estão sempre aprendendo e lutam por justiça e consistência nas recompensas. Culturas profissionais de empresas são cultivadas pelos esforços dos líderes e por processos “formais” – tais como definir metas e regras claras, avaliar desempenho e ética dos funcionários e contratar e promover com base na capacidade de contribuir.

Pode uma empresa familiar ser profissional de acordo com esses padrões? É claro, pois muitas das empresas mais profissionais que conheço são de propriedade e administração familiares. Quando se considera que a maioria dos líderes do setor, em todo o mundo, vêm de empresas familiares, deve-se reconhecer que várias empresas familiares estão fazendo muitas coisas corretamente e são bons exemplos de profissionalismo. Quando proprietários da família e líderes empresariais são bons administradores de suas empresas e incentivam altos níveis de desempenho e ética em suas atividades, essa cultura protetora aumenta a probabilidade de uma gestão “profissional”.

Assim sendo, uma empresa pode ser de propriedade e administração de uma família e ser profissional. E um membro da família que é funcionário da empresa familiar pode ser um gestor profissional. É importante contestar aqueles que se referem a “gestores familiares” de empresas e “gestores profissionais” de empresas, pois isto implica que a única maneira de ser “profissional” é ser “externo à família”. O profissionalismo não tem nada a ver com categorias familiares ou não familiares, mas com as atitudes e comportamentos das pessoas.

O profissionalismo não tem nada a ver com categorias familiares ou não familiares.
mas com atitudes e comportamentos das pessoas.

Mas o que dizer do nepotismo, que envolve favorecer parentes quanto ao emprego: você pode empregar seus parentes na empresa e ter uma organização profissional? Pode alguém ser um nepotista e ser também profissional? A resposta é sim para as duas perguntas. Membros da família com as qualidades corretas podem ter certas vantagens ao administrar a empresa familiar, para estimular o desempenho, fazer com que os valores essenciais sejam seguidos, tratar pessoas como adultos, aprender constantemente e se esforçar para obter justiça e consistência em recompensas.

Todo funcionário, incluindo o CEO e o presidente da empresa, é um “pacote” de capacidades, experiências e valores. Não há duas pessoas iguais e provavelmente ninguém será o melhor em todos os aspectos de seu trabalho. É comum contratarmos pessoas para todos os cargos de uma empresa, sabendo que têm pontos fortes e fracos, mas tentando ajustar o melhor “pacote” de capacidades, experiências e valores às necessidades do trabalho. Deve haver requisitos mínimos para todas as funções de uma empresa e, se uma família não puder suprir, entre seus membros, funcionários que atendam esses requisitos mínimos, deverá colocar talentos externos à família em tais funções.

No entanto, funcionários familiares podem ter vantagens sobre aqueles externos à família, especialmente para tranquilizar os principais interessados ​​– acionistas da família, funcionários, principais clientes e fornecedores – sobre a estabilidade da empresa e preservar sua lealdade e seu compromisso. Não há dúvida de que membros da família podem ser gestores e líderes excepcionais. O melhor “pacote” para certos cargos em uma empresa familiar pode ser um membro da própria família.

Não caia na armadilha de supor que o melhor modo de tornar sua empresa mais profissional é se livrar dos funcionários familiares. Essa etapa pode ser necessária, mas não comece com tal premissa.

Uma vez estabelecidos tais argumentos, devemos ainda enfrentar a pergunta: O que uma empresa familiar deve fazer para ser administrada profissionalmente? Há seis pilares para o profissionalismo:

  • Atrair, desenvolver e reter grandes talentos, tanto internos como externos à família.
  • Garantir que a empresa possa sempre tomar grandes decisões oportunas.
  • Fortalecer a disciplina familiar e o compromisso para com a empresa.
  • Respeitar a hierarquia de gestão e capacitar os funcionários a tomar decisões.
  • Criar sistemas para garantir alto desempenho e justiça de modo consistente.
  • Defender seus valores essenciais como um falcão.

ATRAIR, DESENVOLVER E RETER GRANDES TALENTOS, TANTO INTERNOS COMO EXTERNOS À FAMÍLIA

Empresas competem amplamente com base em seu talento e uma família empresária deve ser honesta sobre sua capacidade de oferecer gestores e funcionários essenciais à empresa. Conheci empresas familiares de terceira, quarta e quinta geração nas quais os membros da família ainda podem gerir a empresa familiar – assim como outras situações em que é melhor para os familiares serem proprietários responsáveis da empresa e permitir que executivos externos à família possam administrá-la. Se uma família produzir um líder empresarial com habilidades suficientes (nenhum líder possui todas elas), bons valores e a capacidade de garantir a fidelidade de acionistas, funcionários, clientes-chave, fornecedores e outras pessoas, a liderança familiar da empresa poderá ser a melhor opção.

Mas quanto maior e mais complexa se tornar a empresa, maior será a probabilidade de que tenha líderes externos à família. Por quê? Porque para continuar suprindo uma alta gerência com talento, o pool de talentos da família deve acompanhar as necessidades da empresa e a família deve permanecer seduzida pelo trabalho que a empresa realiza. Uma família pode não continuar gerando filhos ou encontrar parentes por afinidade que possuam talentos ou interesses específicos que os qualifique para a alta gerência. O fato de os filhos terem hoje considerável liberdade para escolher suas carreiras também limita o conjunto de talentos familiares para a empresa. A família deve ser realista sobre seus talentos e paixões e tomar decisões racionais sobre quem irá gerir e liderar a empresa.

Além disso, uma família não pode assumir todos os principais cargos de liderança de sua empresa e esperar que seja possível reter um grande talento externo a ela. Gestores externos ambiciosos e talentosos irão deixar a empresa (talvez para se juntar à concorrência), para poder encontrar funções de alta gerência. Toda empresa familiar que deseja atrair e reter os melhores talentos externos à família deve ter sempre algumas funções de gestão sênior para gestores externos. E tais gestores externos devem ser empossados com uma autoridade real na empresa.

A estratégia mais segura para que uma família empresária possa perpetuar a propriedade e a liderança de sua empresa consiste em procurar desenvolver um ou vários membros da família que mostrem ser gestores muito competentes e transmissores exemplares da cultura da empresa. As empresas familiares de terceira e quarta gerações (e posteriores) mais bem-sucedidas seguem explicitamente essa estratégia ou têm simplesmente sorte.

Forçar os filhos a trabalhar na empresa da família é um tiro que geralmente sai pela culatra. Atualmente, as empresas requerem líderes apaixonados pela empresa, que compreendam seus setores e tenham as habilidades corretas. Em geral, forçar alguém a trabalhar na empresa desestimula a paixão, a compreensão e até mesmo as habilidades. Famílias empresárias deveriam apresentar a empresa aos seus filhos quando ainda jovens e ajudá-los a ver que a empresa é interessante e que a administração pode ser uma carreira significativa. Os pais devem então permitir que os interesses naturais de seus filhos determinem se querem trabalhar ou não na empresa da família. Ao mesmo tempo, tanto a família como a empresa devem ter padrões rígidos para empregar membros familiares, de modo que apenas aqueles realmente qualificados ocupem os cargos.

GARANTIR QUE A EMPRESA POSSA SEMPRE TOMAR GRANDES DECISÕES OPORTUNAS

Não é exagero afirmar que uma empresa incapaz de tomar decisões oportunas sobre gastos de capital, mudanças na organização, contratação de gestores-chave ou mesmo sua estratégia, irá provavelmente fracassar. A concorrência irá então passar à sua frente. Quando empresas familiares são incapazes de se mover, devido a proprietários ou uma alta gerência sob impasse, quando não há como persuadi-los a enfrentar problemas, romper laços ou separar-se, sugiro que se preparem para vender essas empresas. Toda empresa familiar deve ter processos de decisão e mecanismos de desempate que promovam a capacidade de decisão. Essa é uma das razões pelas quais advogo fortemente a existência de conselhos de assessoria ou diretoria com membros externos à família, que possam levantar questões que devem ser abordadas e pressionar por decisões oportunas.

FORTALECER A DISCIPLINA FAMILIAR E O COMPROMISSO PARA COM A EMPRESA

As chances de sobrevivência e sucesso de uma empresa familiar aumentam quando há disciplina familiar suficiente para agir com responsabilidade em relação à empresa, assim como um diálogo adequado, tanto na família como na empresa, sobre questões importantes da empresa familiar, a fim de respeitar os objetivos familiares e empresariais e desenvolver o compromisso da família para com a empresa.

Competições por status, poder, controle, reconhecimento e até amor podem desviar a família empresária do trabalho de gerir a empresa e assim reduzir a disciplina e o diálogo necessários. Todas as empresas são políticas e todas as famílias têm suas políticas, mas as famílias devem gerir suas políticas e permitir que os gestores se concentrem sobre os fundamentos da empresa. As famílias devem conceber formas de conduzir discussões disciplinadas e ter a capacidade de tomar decisões objetivas que respaldem a empresa; sempre digo às famílias que estrutura é a melhor amiga de uma empresa.

Vemos abaixo alguns métodos muito úteis para garantir disciplina e diálogo familiares adequados:

  • Desenvolver regras e planos para o envolvimento da família, seja como funcionários e como proprietários da empresa.
  • Avaliar os funcionários familiares, para que recebam um feedback importante, com incentivos e recompensas por suas contribuições.
  • Construir um conselho forte e fóruns para discussões sobre gestão, propriedade e família, que possam identificar seus objetivos e lembrar os membros desses três grupos sobre suas responsabilidades para com a empresa.

Uma família empresária deve exibir uma atitude profissional em relação à sua empresa e instituir um planejamento e uma elaboração de regras de nível profissional. É arriscado não implementar essas etapas. Quanto o conflito familiar, a falta de profissionalismo e, principalmente, o fracasso da empresa irão custar a ela própria, à família, às famílias dos funcionários e à comunidade?

RESPEITAR A HIERARQUIA DE GESTÃO E CAPACITAR OS FUNCIONÁRIOS A TOMAR DECISÕES

Na maioria das empresas familiares, os membros da família que trabalham na empresa têm acesso privilegiado às informações e discussões sobre a empresa, sem importar sua posição na hierarquia. Isto ocorre porque os membros da família têm mais acesso entre si, tanto em casa como no trabalho. Esse acesso privilegiado não é um problema, desde que os membros da família respeitem a hierarquia da empresa e envolvam adequadamente os gestores externos nas decisões e não envolvam membros da família inadequadamente em decisões empresariais.

Como todas as empresas atuais, empresas familiares devem capacitar os funcionários de toda a estrutura a tomar as melhores decisões possíveis. Capacitar funcionários externos a tomar decisões operacionais exige confiança. Uma família empresária não pode se profissionalizar sem confiar que tais funcionários externos possam tomar algumas decisões importantes. É preciso treinar e orientar esses funcionários para a tomada de decisões e, em seguida, devem ter permissão para decidir. Êxitos devem ser incentivados e erros devem ser corrigidos com mais treinamento e orientação.

É assim que as pessoas desenvolvem habilidades e valores, para se tornarem mais profissionais. Algumas vezes, membros da família creem que somente eles podem tomar decisões importantes. Observei empresas familiares nas quais os principais gestores da família tomavam não apenas todas as maiores decisões, mas também muitas das menores. O congestionamento da tomada de decisões no topo da organização gera passividade, retarda o progresso e sufoca a criatividade. A falta de confiança, que é raiz dessa prática, pode liquidar uma empresa atualmente.

CRIAR SISTEMAS PARA GARANTIR ALTO DESEMPENHO E JUSTIÇA DE MODO CONSISTENTE

Empresas familiares ainda no estágio do fundador são geralmente pobres em sistemas. O fundador é quase sempre uma personalidade expansiva, que gosta de ter o máximo de discrição ao aproveitar oportunidades e traçar a rota para sua empresa. É normal que não dedique muito esforço a planejamento, orçamento, avaliação ou controle, ou mesmo desenvolvendo consistência para as práticas da empresa. Quando uma empresa se torna maior e mais complexa, a gestão deve ser mais sistemática. Os sistemas costumam ser o motor fundamental do profissionalismo, elevando os padrões de desempenho em toda a empresa e criando métodos consistentes de avaliação e recompensa dos funcionários.

DEFENDER SEUS VALORES ESSENCIAIS COMO UM FALCÃO

A dimensão ética da profissionalização é tão importante quanto a dimensão do desempenho. Os funcionários devem incorporar os principais valores da empresa (tais como o compromisso com produtos de qualidade, capacidade de resposta ao cliente, cuidado com os funcionários e investimentos de longo prazo), além dos padrões éticos básicos de honestidade, respeito e tratamento justo. Embora os gestores da empresa sejam os administradores mais visíveis e ativos da empresa, os proprietários de qualquer empresa devem apoiar os objetivos e a cultura de suas empresas.

É o grupo de proprietários que, no fim das contas, determina a natureza de uma empresa. A família deve preparar seus membros para serem acionistas informados e comprometidos, que protejam os valores da empresa. Muitos problemas de empresas familiares surgem porque os acionistas da família não costumam estar bem informados sobre tópicos empresariais básicos e sobre a empresa – e não aceitam sua própria responsabilidade de proteger os valores essenciais da empresa. Muitas empresas familiares perdem esse ingrediente importante para o sucesso e a profissionalização, pensando que isto é apenas um processo de gestão.

RESISTÊNCIAS À PROFISSIONALIZAÇÃO

Pode haver muitas razões pelas quais proprietários e gestores da família resistem ao fortalecimento dos padrões de desempenho e ética. De início, profissionalizar uma empresa não é um processo barato. Talvez a empresa tenha que aumentar a remuneração para atrair novos funcionários ou investir em novas tecnologias, ou ainda implementar sistemas de planejamento, controle e gestão de desempenho. Mas dinheiro não é geralmente o maior obstáculo à profissionalização de uma empresa familiar. O principal obstáculo reside em pessoas poderosas no sistema de empresa familiar – que podem inibir essas mudanças ao sentir que seu poder e status estão ameaçados ou mesmo sentir-se desrespeitados por tais mudanças.

Profissionalização envolve aceitar novos (e ás vezes externos) sistemas de gestão, propriedade e até práticas familiares. Esse processo costuma ocorrer com a passagem da propriedade e da autoridade de gestão de uma geração para a seguinte, o que já é um momento delicado por si. A geração sênior pode sentir-se insultada por tentativas de profissionalização, pois envolvem estilos ou métodos de gestão diferentes e parecem uma rejeição a suas abordagens.

Pode-se atenuar resistências à profissionalização ao convencer pessoas poderosas sobre a necessidade de mudanças, ao celebrar as realizações da administração em final de mandato e ao comprometer-se com certos fundamentos de administração da empresa que funcionaram bem no passado.

É comum que famílias empresárias confundam suas tradições com seus valores essenciais. A persistência em certas tradições pode debilitar a capacidade da empresa de se adaptar: nunca tivemos dívidas; o pai dizia para fazermos o inventário sempre à mão; somente membros da família podem fazer parte do conselho; etc. Práticas e tradições devem mudar com a mudança dos tempos. Por outro lado, valores que tornam a empresa excelente – compromisso com a qualidade, atendimento a clientes, funcionários tratados com respeito – chegam a perdurar por gerações. Empresas inteligentes vivem de valores que as fortalecem e as ajudam a aprender. As famílias devem honrar seus valores essenciais e deixar que as tradições evoluam. Como muitos aspectos da gestão de empresas familiares, a profissionalização requer uma profunda apreciação das influências familiares.

John Davis, CFEG
Founder and Chairman, Cambridge Family Enterprise Group; Senior Lecturer and Faculty Director, Family Enterprise Programs, MIT Sloan School of Management

John A. Davis is a globally recognized pioneer and authority on family enterprise, family wealth, and the family office. He is a researcher, educator, author, architect of the field’s most impactful conceptual frameworks, and advisor to leading families around the world. He leads the family enterprise programs at MIT Sloan. To follow his writing and speaking, visit johndavis.com and twitter @ProfJohnDavis.