Liderando o sistema da família empresária: É preciso uma aldeia inteira – Parte 2

John A. Davis
Cambridge Institute for Family Enterprise

O título deste artigo refere-se a um provérbio africano (“It takes a village to raise a child” – É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança), que fala da importância da colaboração e do esforço necessários para realizar uma tarefa difícil.

Meu artigo anterior descreveu o que sabemos sobre liderança nos sistemas de empresas familiares em todo o mundo, incluindo como a liderança afeta o desempenho. Como exemplo de liderança muito capaz, em uma empresa familiar de alto desempenho, apresentei Nelson Sirotsky, presidente do grupo RBS, que em 2012 passou o bastão depois de liderar como CEO as empresas de mídia da família por décadas. Caso você adote o modelo de um só líder para sua própria empresa familiar, como fez o grupo RBS, ou forme uma equipe de líderes, precisa ainda projetar, estruturar e alocar todas as funções de liderança necessárias.

Por que isto é necessário? Porque onde quer que eu veja funções de liderança mal planejadas, mal estruturadas e malfeitas em ação, quase nunca vejo a determinação e a unidade que um sistema de empresa familiar necessita para um bom desempenho de longo prazo.

Como projetar, estruturar e alocar todas as funções de liderança que sua empresa necessita? Esse é o foco deste artigo.

Em primeiro lugar, reconheça que, para qualquer grupo ou organização ser bem-sucedido, ele deve ser bem liderado, gerido e governado.

 

LIDERANDO, GERINDO E GOVERNANDO

A governança fornece um amplo senso de propósito ou missão para o grupo, além de uma sensação de estabilidade. Sem estabilidade, não é possível planejar em longo prazo. Os sistemas de famílias empresárias têm uma vantagem duradoura sobre todos os outros tipos de empreendimento, em grande parte devido a seus objetivos, planos e compromissos de longo prazo. Sem estabilidade, perde-se uma vantagem inerente. Sem uma governança adequada, não há estabilidade adequada. O sistema empresarial familiar deve ser governado (e bem governado) para ter sucesso.

A boa governança de qualquer grupo nos assegura que é possível fazer planos, resolver problemas, escolher e treinar líderes e resolver controvérsias de modo a preservar o propósito e a unidade do grupo. Dessa forma, disciplina e confiança só tendem a crescer. Boa governança é o produto de regras, políticas, acordos e planos úteis, bem como foros (tais como diretorias, conselhos de família e reuniões anuais dos acionistas) para criar planos, acordos, regras e políticas, a fim de tratar questões importantes e resolver diferenças.

Uma pessoa bastante sensata com legitimidade, muita autoridade e boas intenções pode proporcionar boa governança para a empresa, a família e o grupo de acionistas. Mas os líderes unitários, como todos nós, têm apenas aquelas horas por dia de trabalho e podem se concentrar apenas em um número limitado de preocupações individuais antes de perder a eficácia. Assim sendo, em sistemas de um só líder, governar bem quase sempre requer que os principais interessados reúnam-se em um ou mais grupos:

  • Um conselho de acionistas e uma reunião anual de acionistas, para atender as necessidades de governança de tais acionistas;
  • Um conselho de administração, para atender as necessidades de governança da empresa e dos acionistas; e/ou
  • Um conselho de família, como apoio para fornecer governança à família.

Todos esses grupos precisam ter bons líderes para funcionar adequadamente.

Pode-se ver então que uma equipe de liderança dos sistemas de famílias empresárias pode chegar a ter quatro ou mais pessoas: um líder para cada foro de governança e um líder geral. O líder da empresa pode não ser o presidente do conselho. O líder dos acionistas tende a ser o líder da empresa ou um grupo de acionistas principais. É comum que o líder do conselho de família não seja o líder real da família. Muitas vezes, o líder da família é também o líder da empresa, mas isto nem sempre ocorre. Mesmo onde há um líder unitário forte para o sistema da família empresária, há geralmente vice-líderes que controlam as diferentes partes do sistema, em estreita coordenação com o líder geral.

 

LIDERANDO

Além de desenvolver, apoiar e participar do sistema de governança, os líderes devem liderar pessoas; e isto é diferente de gerenciar o trabalho dessas pessoas. Liderar é, em essência, identificar para onde o grupo deve ir (desenvolvendo uma visão convincente para o futuro), criar estratégias para chegar lá e fazer com que as pessoas mudem, para que seja possível chegar lá. Isto é feito ao inspirar, persuadir e motivar pessoas, para que trabalhem juntas e alcancem objetivos importantes, além de formar coalizões como apoio às mudanças necessárias.

Liderar é uma atividade muito pessoal, em que o líder se conecta com as pessoas e as convence, fazendo uso de ideias atraentes e de um magnetismo de caráter. Os liderados seguem o líder por lealdade, porque se identificam com ele, porque se identificam com a causa proposta por ele e, às vezes, por todos esses aspectos.

Os liderados desejam razões convincentes para seguir qualquer líder em períodos longo prazo ou em missões difíceis. Como as empresas familiares estão sempre focadas em longo prazo, o líder ou líderes dessas empresas devem ser pessoalmente convincentes e não apenas bons em planejar e gerir atividades. Como diz o ditado, leva-se as pessoas para a batalha, mas não se gerencia essas pessoas na batalha.

É necessário ter funções de liderança, pois onde quer que eu vejo funções de liderança mal planejadas, mal estruturadas e malfeitas em ação, quase nunca vejo a determinação e a unidade que um sistema de família empresária necessita para um bom desempenho de longo prazo.

Líderes eficazes podem ter um estilo carismático, , ou uma abordagem mais tranquila. Qualquer que seja o estilo, porém, os líderes mais eficazes que tenho visto nos sistemas de empresas familiares são claramente “líderes servidores” ou mais especificamente “parceiros servidores”. Esses líderes costumam ter ideias e princípios sólidos sobre como suas empresas devem ser administradas, como os coproprietários devem investir e como suas famílias devem se comportar. Eles também têm egos, necessidades pessoais e sensibilidades. Ao mesmo tempo, querem fazer o melhor para seus liderados. Eles acreditam em parcerias e que os parceiros devem ser tratados de forma justa. E se comportam como servidores de um bem maior. Por fim, eles são capazes de tomar decisões difíceis, para proteger os padrões e as aspirações do grupo.

 

GERINDO

Gerenciar, em contraste ao ato de liderar, é fazer com que um grupo opere de modo eficiente e eficaz. A gestão é feita por meio de planejamento e orçamentos, organização, análise de problemas, criação e uso de sistemas de gestão, alocação prudente de recursos e a garantia de um feedback de desempenho. A gestão é complemento da liderança.

Grande parte do sucesso empresarial e familiar tem a ver com boa realização – realizar tarefas de modo eficiente, dentro do prazo e do orçamento. Devemos agradecer pelos gerentes de empresas e famílias. Como todos os CEOs para quem leciono, Nelson Sirotsky passou muito do seu tempo como CEO da RBS administrando (ou seja, desenvolvendo a eficiência e a eficácia de) aspectos específicos da empresa. Ele participou de muito planejamento, organização e resolução de problemas.

Muitos líderes de empresas familiares que conheço são gerentes com mão forte. Há espaço para melhorias em algumas técnicas de gestão, mas esses líderes foram programados para gerir coisas. De fato, até demais… ao ponto de concentrarem tanto esforço em administração, que suas empresas tendem a ser super-administradas e, ao mesmo tempo, subconduzidas e subgovernadas. É natural que os CEOs, especialmente membros da família que cresceram na empresa familiar e a conhecem perfeitamente bem, concentrem-se na eficácia operacional de tal empresa. Mas excesso de foco aqui geralmente significa que dão pouca atenção às necessidades de liderança e governança da organização.

Sempre desejei que houvesse um programa de Gestão de Acionista-Presidente para os líderes de famílias! Famílias proprietárias de empresas têm problemas de gestão semelhantes. Muitas famílias empresárias poderiam gerenciar melhor sua vida financeira ao definir objetivos mais claros e ao controlar melhor seus gastos. Em geral, elas devem dedicar mais atenção ao desenvolvimento da geração seguinte. E as famílias empresárias, como todas as famílias, costumam ser deficientes quanto ao feedback de desempenho aos seus membros. São todos problemas de gestão.

Em minha opinião, porém, muitos problemas de família devem-se à falta de governança e liderança. Na área de governança, os membros da família não têm clareza sobre sua missão ou seus valores centrais; ou não dispõem de regras e políticas adequadas para orientar seu comportamento; ou talvez não tenham desenvolvido foros e processos para discutir questões importantes e mediar as diferenças entre membros da família, de forma justa. Em liderança, eles não têm uma visão clara para o futuro; ou não aceitaram a necessidade de mudar, para se adaptar ao ambiente; ou estão sem inspiração. É preciso uma profunda inspiração para enfrentar desafios importantes.

Governança, liderança, gerenciamento: empresas, famílias e grupos de acionistas requerem todas essas três atividades. Ao se observar um líder eficaz de um sistema de família empresária ao longo de um mês, será possível ver seu envolvimento dele em todas essas atividades. O tempo despendido em cada atividade ou grupo varia de acordo com o líder e as circunstâncias.

Alguns líderes preferem liderar e deixar que outros administrem; outros passam a maior parte do tempo governando o sistema. Pais e mães também realizam essas três atividades nas famílias que lideram. Um bom presidente do conselho ou líder do conselho de família realiza também um certo volume das três atividades. Desta e de outras formas, a liderança de empresas, famílias e propriedades é similar.

Em meu próximo artigo, veremos o que uma liderança capaz realmente implica para cada um dos três círculos.

SOBRE O AUTOR

Professor John A. Davis
Fundador e Presidente, Cambridge Institute for Family Enterprise
Diretor de Faculdade, Family Enterprise Programs, MIT Sloan School of Management

John A. Davis é globalmente reconhecido como pioneiro e autoridade em empresas familiares, em riqueza familiar e em family office. Ele é pesquisador, instrutor, autor e arquiteto das estruturas conceituais de maior impacto nesses campos, assim como consultor de importantes famílias ao redor do mundo. Para se informar sobre seus textos e palestras, acesso o site johndavis.com; ou siga-o pelo twitter, em @ProfJohnDavis.

SOBRE A CAMBRIDGE FAMILY ENTERPRISE GROUP

Cambridge Family Enterprise Group é uma consultoria internacional altamente especializada na criação de valor para famílias empresárias. Fundada em 1989, a Cambridge dedica-se a ajudar as famílias a obter sucesso em seus empreendimentos através das gerações.

 

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